quarta-feira, 8 de agosto de 2007

TANTOS MEDOS E OUTRAS CORAGENS

Muitos medos a gente tem e outros a gente não tem. Os medos são como olhos de gato brilhando no escuro.

Há por exemplo, o medo de escuro e tudo o que o escuro tem: lobo mau, floresta virgem, alma do outro mundo, portas fechadas, cavernas, porões, ai que pavor!
O escuro tem mãos de veludo que fazem o coração rolar pela escada, pela rua, pela noite afora como um cavalo sem freio.

Só que tem gente que não tem medo de escuro, tem gente que gosta de andar sentindo o vento da noite, o silêncio grosso da noite.

E tem o medo de bicho, rato, cobra, barata, morcego, aranha e lagartixa. Tem gente que nem liga, pega o chinelo e vai esmigalhando, ou simplesmente de um jeito mui digno, passa por cima.

E tem medo de conhecer outras pessoas, medo de ir a festa, medo de dançar errado, o medo terrível de qualquer primeiro dia.

E tem medo de mudar de casa, de mudar de rua, de cidade, de país. Mas tem gente que adora ir e dançar e conhecer amigo novo. Tem gente que adora se mudar, que adora primeiro dia de aula.

E o medo de roupa nova tão sem cara da gente. Medo de comprar sapato, medo de falar no telefone com quem nunca se falou. Mas tem quem escolhe fácil, entra na loja e já vai sabendo o que é bonito sem nem duvidar.

E o medo daqueles lugares imensos que vão se entupindo de gente e a gente vai diminuindo, quase que vira formiga. Tem gente que adora quanto mais cheio melhor.
E o medo de que não gostem mais da gente, depois de tanto tempo sem se ver, ou que tenham esquecido o nosso nome. Tem gente que nem pensa nisso. Acha que é inesquecível e gostável sempre.

E o medo de não conseguir não importa o que: fazer um desenho bonito, tirar nota boa, aprender violão. Tem gente, mesmo sem saber, já sai tocando a bola pra frente.
E o medo de não achar um amor na vida, de ficar só no mundo a vida inteira. Tem gente que nunca pensou nesse assunto, acha que tem um amor sempre esperando na próxima esquina.

Os medos são como flores secretas, cores secretas, invisíveis vaga-lumes marcando o caminho. Isso a gente faz, isso a gente não faz. Como um relógio oculto. Isso a gente não faz. Que a vida é um jogo assim, de tantos medos e outras



MURRAY, Rosena. Tantos Medos e outras Coragens.São Paulo: FTD, 1994